quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

caixa preta

Hoje eu estava voltando para casa no ônibus quando uma mulher velha pisou com seu tamanco de madeira no meu pé. "Foi seu dedo?", ela perguntou, eu disse "foram todos eles". Então ela riu como se eu tivesse contado uma piada, sentou e me perguntou onde ficava El Dorado. Não, não conheço. É uma loja de tecidos. Ah, tem uma logo ali na outra esquina. Não, mas não é essa. Sim, mas não me interessa. As pessoas, elas acham que a gente se importa. Quem se importa? A não ser que você sinta pena, eu sinto pena muitas vezes. É o sentimento mais humano, mais humano e mais comum até do que o amor. E é a arma dos fracos.
Eu tenho dois gatos egoístas e interesseiros, uns livros interessantes e por mim moraria no meu quarto se tivesse um banheiro nele e um computador para escrever. Eu gosto do meu quarto e fico horas ali deitada enquanto lá fora o céu muda de cor. É suficientemente agradável para me ocupar, principalmente em época de chuva, quando ele fica menos quente. Mas, por que estou falando do meu quarto e dos meus gatos egoístas e interesseiros? Aliás, somos todos egoístas e interesseiros. Meus gatos, que dormem na minha cama com seus pêlos e pulgas e saem quando chego, a velha que pisou no meu pé, e eu, que fico o dia todo deitada pensando em nada até acabar dormindo. Não que essas sejam atitudes egoístas ou interesseiras, mas nós somos e isso é tão óbvio que não preciso nem exemplificar. Acontece que eu passei no teste e amanhã tem outro teste e eu não sei o que esperar. Acho que por isso estou digitando aleatoriamente.
No teste que passou eu declamei um poema do Buk, "Bluebird". É algo que me expressa e que me passa uma profunda sensação de compreensão e de aceitação. Esse poema, ele me derrama no chão, me espalha, me espelha, eu fico invulnerável e sincera, e é bacana o suficiente pra fazer 'alguém' chorar. Mas eu não choro, você chora?
Às vezes eu penso que os poemas que fazemos, ou os quadros que pintamos, enfim, as nossas criações expressivas funcionam como uma caixa preta. Sabe, aquilo que registra os dados em um avião. É como se a partir disso, do que criamos, possa ser entendida nossa vida inteira, entendidos nossos passos e nossas explosões. Nossas quedas. Mas eu não quero cair e nem vou. Alguém se importa com nossas vidas se não formos famosos, ou parentes, ou namorados? Alguém liga pro que a gente fala e pensa? Ou pra quando a gente chora? Não ligam, mas será por não acreditarem ou por simplesmente não ligarem? Minha mãe se faz de vítima o tempo todo, ela reclama que não consegue nem falar por estar com dor, mas não cala a boca. E eu acho que isso me enche tanto o saco que chego a não me importar.
O homem é tão desinteressante. O homem é tão interesseiro. Tudo é interesse. Mas os gatos também são. Egoístas e interesseiros. É o instinto da vida.

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